Oração não é um jogo de dados

O capítulo doze da Atos registra a espetacular libertação do apóstolo Pedro (quando um anjo soltou-o das algemas e conduziu-o à liberdade sem que fosse visto por nenhuma das sentinelas), mas o capítulo se inicia relatando a prisão e morte de outro apóstolo, Tiago. Se a igreja orou pelos dois, por que um foi liberto enquanto o outro morreu decapitado?

  “Por aquele mesmo tempo o rei Herodes estendeu as mãos sobre alguns da igreja, para os maltratar e matou à espada Tiago, irmão de João. Vendo que isso agradava aos judeus, prosseguiu, prendendo também Pedro e... lançou-o no cárcere, entregando-o para ser guardado por quatro escoltas de quatro soldados cada uma, pretendendo submetê-lo a julgamento público depois da Páscoa. Pedro, então ficou detido na prisão, mas a igreja orava intensamente por ele” (Atos 12:1-5)

A menção que Lucas (o autor de Atos) faz da igreja orando é rápida, mas não casual. É interessante o arranjo que ele faz no texto, colocando a referência à igreja orando exatamente depois da descrição da extrema segurança com que Pedro era guardado. Pedro estava para além de qualquer tentativa de resgate humano, mas as circunstâncias desfavoráveis não impediram a intercessão.

Pedro estava sob escolta armada, algemado e encarcerado em máxima segurança... “mas a igreja orava intensamente por ele”.

Olhando para o passado recente daquela igreja, fazer orações não parecia ter tido um efeito tão prático para aqueles que foram executados (como Tiago e Estevão), torturados ou mantidos presos (como muitos outros).  Pelo contrário, quem parecia estar sendo bem sucedido era o perseguidor Herodes.

Diz o texto que Herodes prendeu, matou e teve o apoio dos judeus. E diz que ele “vendo que isso agradava aos judeus prosseguiu, mandando prender também a Pedro...”. mas um histórico de aparentes sucessos do inimigo não impediu a igreja de orar. 

Se Deus não havia libertado Tiago e os demais irmãos por que libertaria Pedro? A motivação da igreja em continuar orando a despeito disso revela um contraste com os tempos atuais nos quais a motivação para orar deriva da “eficácia” da oração. Se a oração “funciona” eu continuo orando. Há um erro nesse pensamento: o de que só a resposta positiva indica que houve ação de Deus.

Deus age quando atende um pedido, mas não deixa de agir quando nega um. A igreja não se desmotivou por causa da morte de um líder e pela prisão de outro. Orou por isso e a despeito disso.

Ainda que o livro de Atos registre libertações espetaculares como as de Pedro e de Paulo e Silas, ‘libertações espetaculares’ não eram a regra, eram a ‘exceção’; mesmo assim poucas ocorrências de libertações e livramentos (em comparação à quantidade de encarceramentos e mortes) não impediu a igreja de orar. Livramentos eram episódicos... “mas a igreja orava intensamente por Pedro”.

Quem encara oração eficaz apenas com base em estatísticas de respostas positivas vai ter problemas cedo ou tarde (quando doentes não forem curados, presos não forem libertos e mortos não forem ressuscitados). Mas aquela igreja não podia encarar oração apenas por esse prisma e não orou apenas porque Pedro fora preso; a igreja orou porque esse era seu costume e Pedro entrou na ‘ordem do dia’ daquela rotina de intercessões enquanto que, para muitos de nós hoje, a oração tornou-se a excepcionalidade através do qual desejamos que libertações, curas e conquistas se tornem a rotina

Não é a vontade divina que deve ir ao encontro de nossa intercessão, mas o contrário. Nossas orações devem buscar a vontade de Deus e a ela se conformarem. Quando assim ocorre podemos dizer que todas as orações são respondidas, pois a oração se torna o AMÉM da igreja ao que Deus vai fazer. O intercessor que assim age, imita a oração de Maria ao ser avisada da miraculosa concepção: “Cumpra-se em tua serva, conforme a tua palavra” (Lucas 1:38). Torna sua oração como a de Cristo no Getsêmani: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua”.

Todos os poderes um dia acabam conhecendo seus limites. A oração da igreja pôde livrar a Pedro, mas não pôde livrar a Tiago e não pôde livrar a todos sempre. Por outro lado, Herodes pôde matar a Tiago, mas não pôde matar a Pedro. Nem a oração, nem o poder político podem todas as coisas. Essa é uma prerrogativa divina. Deus não apenas tem o poder ilimitado, como tem o poder de limitar todos os outros poderes.

Ainda que, para muitos, pareça que orar é um lançar de dados (talvez Deus responda, talvez não), para a igreja apóstolica, orar não era apenas pedir por libertação. A igreja orava para expressar sua dependência e sua confiança num Deus está no controle de tudo; seja das libertações ou das execuções, das curas ou das doenças terminais, da vida ou da morte

 

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